segunda-feira, março 21, 2005

Artigo no Jornal: "Judeus e cristãos na Semana Santa"

1.Começa, hoje, Domingo de Ramos, a celebração de acontecimentos que provocaram estranhas e simétricas oposições: ser judeu é ser anticristão e ser cristão é ser antijudeu.
As narrativas e interpretações do Novo Testamento sobre o processo de Jesus de Nazaré são mais do que registos de tribunal. São portentosas elaborações acerca da significação universal do itinerário deste judeu que não morreu de velho nem de doença fulminante. Foi morto. O sumo sacerdote Caifás - o encarregado de manter a ordem em Jerusalém -, perante certos acontecimentos e rumores, sentiu que era urgente mandar prender Jesus e oferecer a Pilatos razões de Estado para o executar. Estes adversários coligarem-se para eliminar um homem que, segundo julgavam, podia perturbar a harmonia religiosa e a paz política na região.
O reexame dos acontecimentos feito pelos seguidores de Jesus ligou este nome com um título messiânico. Ficou, para sempre, Jesus Cristo. Para os cristãos não há outro nome no qual possamos ser salvos. Para o judaísmo, o Messias de Israel só pode ser alguém vitorioso, nunca um crucificado.
Gérard Israël, num livro importante para o relançamento do diálogo entre judeus e cristãos, insurge-se contra aqueles que desejam que o judaísmo de hoje se reaproprie de Jesus, o judeu.
E argumenta: apesar de toda a sua familiaridade com o judaísmo do seu tempo, Jesus tornou-se, ao fim dos trinta anos da sua existência, pela sua pregação e ensino, com o apelido de Cristo, o rochedo sobre o qual foi construída uma outra religião. Esta religião, o cristianismo, foi estabelecida sobre a imagem de um Jesus transfigurado, morto sobre a cruz, ressuscitado, rapidamente assimilado, pelo processo da Incarnação, ao próprio Deus. Primeiro, só de forma alusiva pelos evangelistas e depois de forma plena pelos padres da Igreja. Uma tal construção teológica, por mais respeitável que seja, tendo em conta nomeadamente o seu sucesso quase universal, não permite ao nazareno voltar a ser judeu. Nunca mais poderá ser entregue ao seu povo. (2)
O processo instaurado a Jesus, a crucificação, a responsabilidade das instâncias judaicas e não judaicas, as relações entre judeus e cristãos, encontram-se, todos os anos, na Semana Santa. Ainda que já sejam numerosas as obras sobre as raízes antijudaicas das igrejas cristãs, o prof. Peter Tomson reuniu o consenso de um conjunto de peritos católicos, protestantes e judeus, para oferecer a um público mais vasto do que o círculo de alguns especialistas, um contributo capaz de clarificar o debate - O Caso de Jesus e os Judeus. (2)
A importante construção de museus sobre o Holocausto, as repetidas polémicas sobre o antisemitismo, algumas retomadas em torno do filme A Paixão de Cristo, indicam que estamos longe da reconciliação entre judaísmo e cristianismo, por mais importantes que tenham sido as posições do Vaticano II, dos últimos papas e, sobretudo, os gestos de João Paulo II.
2. As calúnias entre judeus e cristãos atingiram, ao longo de dois milénios, expressões inacreditáveis. É evidente que a noção de culpa colectiva e herdada pela morte de Jesus de Nazaré é absurda, maldosa e teve efeitos terríveis. Mas a responsabilidade não deve ser atribuída só aos cristãos. Segundo uma penetrante obra de Israel Shahak, o judaísmo está imbuído de um ódio profundo contra o cristianismo, combinado com a ignorância a seu respeito.
Os relatos sobre Jesus que figuram no Talmude e na literatura pós-talmúdica são inexactos e mesmo caluniosos. São, no entanto, aquilo que os judeus acreditavam até ao séc. XIX e que muitos, em particular em Israel, ainda hoje acreditam. (3)
Segundo o Talmude, Jesus foi executado - mediante sentença de um apropriado tribunal rabínico - por idolatria, por incitar outros judeus à idolatria e por desprezo da autoridade rabínica. Todas as fontes clássicas judaicas que referem esta execução sentem-se orgulhosas de assumir a responsabilidade por ela. No relato talmúdico, os romanos nem sequer são mencionados! Os relatos mais populares - mas tomados muito a sério -, como o conhecido Toldot Yeshu, são ainda piores. Além dos crimes já apontados, também acusam Jesus de feitiçaria. O próprio nome Jesus era, para os judeus, o símbolo de tudo o que era abominável.
Esta tradição popular continua. Os Evangelhos são igualmente detestados. Não podem ser citados - muito menos ensinados - mesmo nas modernas escolas judaicas israelitas. Em 23 de Março de 1980, centenas de cópias do Novo Testamento foram queimadas pública e cerimonialmente em Jesusalém sob os auspícios do Yad Le"akhim, uma organização religiosa judaica subsidiada pelo Ministério israelita das Religiões.
Segundo Israel Shahak, por razões teológicas, radicadas principalmente na ignorância, o cristianismo é uma religião classificada pelo ensino rabínico como idolatria. Isto baseia-se numa interpretação tosca das doutrinas cristãs sobre a Trindade e a Incarnação. Todas as representações pictóricas e emblemas cristãos são encarados como ídolos, mesmo por aqueles judeus que adoram literalmente manuscritos, pedras ou relíquias de "homens santos".
Pelos vistos, ainda há muito caminho a percorrer para que cristãos e judeus aprendam, pelo menos, a respeitarem-se mutuamente!

Referências: (1) Gérard Israël, La Question Chrétienne. Une pensée juive du christianisme, Payot,2002; Peter Tomson, L"Affaire Jesus et les Juifs, Cerf, 2003; Israel Shahak, História Judaica, Religião Judaica, Huguin, 1997


by Frei Bento Domingues in Público (20/03/2005)

1 Comments:

At 3/24/2005 10:39 da manhã, Anonymous Anónimo said...

este tipo de artigo é perigoso, tendencioso e sai cada ano, na volta deste semana santa. queria conhecer as referencias no talmud do dr. O antisemitismo é a crescer na todo europa, porque ?

 

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